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Por Godofredo de Oliveira Neto

1212M, xilogravura, pontasêca e carburundun, 40cm x 100cm, 2012

A arte transcendental de Diô Viana

 

É como se, através do zoom de uma enorme câmera, a gente se visse lançado para o interior de grafismos da pintura corporal indígena. E quando acha que está se recuperando e entendendo os movimentos harmoniosos da trama plástica, outro arremesso nos joga na direção de um balançar de águas sépias, berrantes , barrentas e árvores amazônicas de crostas insondáveis. Daí, então, não tem como não ficar fascinado pelos traços da pintura e da gravura de Diô Viana. São pontilhados, rasgos, flutuações, brilhos quebrando opacidades, pontos inundando planícies coloridas, riscos como raízes decepando coberturas vegetais, pontos  vazando de funis imaginários, engolfando-se, atabalhoadamente, em gargalos estreitos, navegações delicadas e lentas em rios caudalosos e amedrontadores. E a transferência do figurativo para o grafismo abstrato se dará, justamente, através dessa ordem de comando afetuosa mas autoritária do artista ao desbussolado e, por isso, frágil receptor daquelas imagens fascinantes. A arte figurativa desaparece por completo e cede espaço à abstração que, no entanto, remete sempre à transparência da floresta amazônica. Assim, pois, ao passar da visão de paisagem ao "gros plan", Diô constrói um elo entre o erudito e o popular de maneira muito própria e consegue situar a sua arte entre as mais ricas da virada do século XX para o XXI no Brasil. O traço regionalista alimenta o seu fazer artístico contemporâneo e universal, numa via de mão dupla cuja eficácia técnica o levou a expor de Santarém, Pará, onde nasceu,  a Paris, passando pelas  galerias do Rio e de São Paulo. É esse movimento do popular ao erudito que acumplicia o  espectador e o torna parceiro interativo daquela pintura.

 

Os seus quadros e gravuras não trazem título, o que permite, a quem lê as circunvoluções das cores, voar, navegar e correr por ares, águas e terras pintadas por sua imaginação e experiência. O personagem abstrato de Diô, como o herói de um romance, tensiona-se com o mundo, bate-se contra valores estranhos, se reagrupa e organiza na trincheira amazônica e se lança com ímpeto inerente apenas aos que têm uma identidade fixada e a consciência de uma bandeira de luta justa nas mãos. Os valores autênticos da arte de Diô   não estão vinculados a este ou aquele grupo, estão, isso sim, presentes em toda a sociedade e em todos os tempos. É a relação herói/ mundo onde a inquietude obriga aquele a lutar contra este, moinhos de vento, canhões, hambúrgueres ou baguettes que sejam.  Diô sabe, entretanto, que o mundo tem limites. Essa consciência aparece nos traçados horizontais e verticais que aprisionam sim,  o espectador, mas apenas ao universo da arte e da cultura.

 

Diô consegue erigir um monumento de nossa identidade num mundo impondo um modelo único de estética e de cognição. A gente sai  da galeria onde ele expôe agradecido e com a sensação de ter vencido uma batalha juntos.

 

  

 

                                                                                      Godofredo de Oliveira Neto

                                                                                                                   Escritor

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